A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade, e por isso discriminamos o comportamento desviante.
Até recentemente, por exemplo, o homossexual corria o risco de sofrer agressões físicas quando era identificado na rua e ainda é objeto de termos depreciativos. Tal fato representa discriminatório representa um tipo de comportamento padronizado por um sistema cultural, mas esta atitude varia em outras culturas.
Entre algumas tribos das planícies norte-americanas, por exemplo, o homossexual era visto como um ser dotado de propriedades mágicas, capaz de servir de mediador entre o mundo social e o sobrenatural, e, portanto, respeitado.
Outro exemplo de atitude diferente de comportamento desviante encontramos entre alguns povos da Antiguidade, onde a prostituição não constituía um fato anômalo: jovens da Lícia praticavam relações sexuais em troca de moedas de ouro, a fim de acumular um dote para o casamento.
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura.
Graças ao que foi dito acima, podemos entender o fato de que indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por uma série de características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar, comer, sem mencionar a evidência das diferenças linguísticas que constitui o fato de mais imediata observação empírica.
Etnocentrismo – A distorção do outro na história.
Etnocentrismo é um conceito antropológico percebido quando um determinado individuo ou grupo de pessoas, que têm os mesmos hábitos e caráter social, discrimina outro, julgando-se melhor por causa de sua condição social, pelos diferentes hábitos ou manias, por sua forma de se vestir, ou até mesmo pela sua cultura.
O etnocentrismo, é um fenômeno universal. É comum entre os povos a crença de que sua própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão.
As autodenominações de diferentes grupos refletem este ponto de vista. Os Cheyene, índios das planícies norte-americanas, se autodenominavam “os entes humanos”; os Yanomami índios que habitam o Brasil e a Venezuela se denominam ser humano, e chamam os estrangeiros de napë, uma designação geral para os não yanomâmi. Os Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se “os homens”; os esquimós também se denominam “os homens”; da mesma forma que os Navajo, povo nativo estadunidense se intitulavam “o povo”.
Os australianos chamavam as roupas que os ingleses vestiam de “peles de fantasmas”, pois não acreditavam que os ingleses fossem parte da humanidade; e os nossos índios Xavante acreditam que o seu território tribal estava situado bem no centro do mundo.
É comum assim a crença de que o próprio povo seja o povo eleito, predestinado por seres sobrenaturais, ou por Deus ou deuses para ser superior aos demais.
Tais crenças contêm o germe do racismo, da intolerância, e, frequentemente, são utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros.
Etnocentrismo x Apatia
A reação oposta ao etnocentrismo é a apatia. Em lugar da superestima dos valores de sua própria sociedade, numa dada situação de crise os membros de uma cultura abandonam a crença nesses valores e, consequentemente, perdem a motivação que os mantém unidos e vivos. Diversos exemplos dramáticos deste tipo de comportamento anômico são encontrados em nossa própria história.
Um Exemplo: Os africanos que foram removidos violentamente de seu continente (de seu ecossistema e de seu contexto cultural) e transportados como escravos para uma terra estranha habitada por pessoas de fenotipia[1], costumes e línguas diferentes, perdiam toda a motivação de continuar vivos.
Muitos foram os suicídios praticados, e outros acabavam sendo mortos pelo mal que foi de nominado de banzo, traduzido como saudade!
O banzo é de fato uma forma de morte decorrente da apatia. Foi, também, a apatia que dizimou parte da população Kaingang de São Paulo, quando teve o seu território invadido pelos construtores da Estrada de Ferro Noroeste. Ao perceberem que os seus recursos tecnológicos, e mesmo os seus seres sobrenaturais, eram impotentes diante do poder da sociedade branca, estes índios perderam a crença em sua sociedade. Muitos abandonaram a tribo, outros simplesmente esperaram pela morte que não tardou. O etnocentrismo de um povo destrói o outro.
O Etnocentrismo deve ser abolido, pois não existe raça pura ou mesmo cultura pura ou cem por cento autóctone.
Todos os povos tomaram e tomam por empréstimo costumes de outro povo os quais se tornam tão intrinsecamente ligados que com o tempo parecem ter surgido de processo autóctone.
A esses empréstimos culturais a antropologia denomina difusão.
Os antropólogos estão convencidos de que, sem a difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade. Nas primeiras décadas do século XX, duas escolas antropológicas (uma inglesa, outra alemã), denominadas difusionistas, tentaram analisar esse processo.
O erro de ambas foi o de superestimar a importância da difusão, mais flagrante no caso do difusionismo inglês que advogava a tese de que todo o processo de difusão originou-se no velho Egito.
Quando consideramos a importância das invenções simultâneas (isto é, invenções de um mesmo objeto que ocorreram em inúmeros povos de culturas diferentes situados nas mais diversas regiões do globo), não poderíamos ignorar que isso se deve à difusão cultural, ou seja alguém de uma nação ou povo diferente levou ou exportou a ideia.
Jogando o etnocentrismo por terra.
Numa época em que os Norte Americanos viviam um grande desenvolvimento material e os seus sentimentos nacionalistas os faziam crer que grande parte desse progresso era resultado de um esforço autóctone, o antropólogo Ralph Linton escreveu um admirável texto sobre o começo do dia do homem americano tendo em vista a difusão cultural dentro da cultura americana considerada até então autóctone:
O cidadão norte-americano desperta num leito (Cama) construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América.
Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou ainda de lã de carneiro domesticado no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China.
Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins/calçados” que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho (banheiro) cujos aparelhos são uma mistura de invenções europeias e norte-americanas.
Tira o pijama, que é vestuário inventado na índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se.
As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço (gravata) é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII.
Antes de ir tomar o seu breakfast (café da manhã), ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha descobertas pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia.
Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas.
De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga.
No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera.
O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China.
A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano.
Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana.
Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a ideia de aproveitar o seu leite são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia.
Depois das frutas e do café vêm waffles, que são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor.
Rega-se os waffles com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos.
Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou finas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa.
Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México.
Se for fumante valente, pode ser que fume um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha.
Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China através de um processo inventado na Alemanha.
Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão, conservador e religioso, agradecerá a uma divindade hebraica (YHWH), numa língua indo-europeia.
[1] Fenotipia – Características observáveis ou caracteres de um organismo ou população como, por exemplo: morfologia, desenvolvimento, propriedades bioquímicas ou fisiológicas e comportamento.
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